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Críticas

| filme 128 | CAPITÃO AMÉRICA: GUERRA CIVIL


No universo dos HQs quem tem AVENGERS é rei.




Não adianta tentar fugir da comparação. Sabe quando a gente se mete em um novo namoro e vive comparando o passado com o presente? Então, a história de amor dos fãs com os quadrinhos sempre tem capítulos apaixonados. Em 2016 já vamos para dois momentos importantes nessa jornada de amor e, por que não dizer, algumas decepções.

No encontro que tivemos com o Batman e Superman ficamos com aquela sensação estranha de que alguma coisa não estava no lugar. E não estava mesmo! Talvez um Batman blasé demais, talvez uma história fraca demais e lutas sem qualquer criatividade. Pois bem, o novo Capitão América: Guerra Civil é o extremo oposto. Com personagens encaixados e atores cada vez mais na pele dos heróis era só construir uma história mais ou menos e se esforçar nas lutas para o sucesso ser colhido. Mas não é que os irmãos Anthony e Joe Russo e os roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely conseguiram mais? Conseguiram talvez superar os limites e fazer o melhor Capitão América da série e um filme tão bom, mas tão bom, que pode ser considerado mais um da franquia dos Vingadores.


O cinemão começa com um quê de sem graça, uma perseguição de uma moto a um carro, uns sacos com fluídos azuis e poucas explicações. O arco da história, então, muda completamente e nos confrontamos, nós e os heróis, com dilemas atuais e muito pertinentes: Capitão América e companhia estão sendo, sistematicamente, acusados de abuso de poder. Prendem os bandidos, mas matam gente que não tem nada a ver com a guerra. De um lado, um sensato (!!!!!!!!) Homem de Ferro argumenta que poderes não podem ser ilimitados, do outro o cara do escudo mais sinistro do planeta diz que inocentes as vezes são sacrificados para que um mal maior seja evitado. E é óbvio que o diálogo não flui, e vamos logo pros socos e pontapés mais sensacionais de todos os filmes até agora.

Capitão América monta seu time, onde se destaca o Soldado Invernal (tão protagonista quanto os outros) e o Homem de Ferro recruta ninguém menos do que o Homem Aranha, ainda garoto, num dos melhores momentos do filme. A história avança e é aí que o roteiro bom aparece. Soluções interessantes são encontradas para os desfechos de algumas histórias e a abertura de outras. Nada é desperdiçado. Nenhuma história é encerrada totalmente e, ao mesmo tempo, nenhuma deixa lacunas dentro do próprio filme. De certa forma, todos os heróis dão suas contribuições, todo mundo tem seus 10 minutos de fama. E tudo se encaixa perfeitamente, até o início reencontrando o final, num desfecho pra lá de surpreendente.

A forma como a Marvel Studios e a Disney exploraram esse duelo entre o Cap.América e o Homem de Ferro merece aplausos. E o filme mexe, a todo o momento, com a questão do protagonista x antagonista. É esse mote, inclusive, que deve ser explorado daqui pra frente, em todos os filmes da série. Diferentemente do que foi feito em Batman x Superman, a opção por confrontar ideologias dentro do mesmo grupo foi extremamente acertada e rendeu diálogos e dilemas que saem do cinema e invadem as conversas de quem assistiu. Filmes assim, que a gente leva pra casa depois que sai da sala escura, são aqueles com os quais a gente resolve namorar, casar e viver para o resto da vida. E depois vão ganhar todas as comparações! Todas!

| filme 122 | O PEQUENO PRÍNCIPE


ESSENCIAL PARA A VIDA!



De repente a história do Pequeno Príncipe passa a ser chata pra gente. Com o passar dos anos, aquele papo de cativar, amar, ser bondoso parece uma figura abstrata daquelas que fazíamos quando criança nas aulas de desenho: totalmente sem sentido. Talvez por isso, o primeiro contato com essa animação francesa do diretor americano Mark Osborne (o mesmo do ótimo Kung Fu Panda) seja meio ressabiado. Será que vale a pena ver, mesmo sem ter nenhum pequeno pra levar ao cinema? A resposta vem rapidamente: VALE!



Primeiro porque a história do príncipe que vivia sozinho em um planeta até a chegada da sua Rosa é contada dentro de outra história. Uma menina, oprimida pela mãe controladora, se muda para um bairro perto do colégio para onde estuda com afinco com a finalidade de prestar um exame ao final das férias. Acontece que, de cara, ela topa com um senhor excêntrico que viveu uma vida de aventuras. Rapidamente e com engenhosidade o velhinho consegue introduzir a história do príncipe solitário. E a vida da menina começa a mudar. A história dentro da história e os momentos em que a pequena começa a tomar as rédeas da sua vida são o ponto alto do filme. Muito porque as atitudes da garotinha são aquelas que nós poderíamos ter ou tivemos quando nos deparamos com os clássicos ensinamentos do livro na primeira vez que lemos. É como se fossemos nós ali na tela.

Em segundo lugar o aprumo técnico é uma maravilha. Usando duas técnicas distintas de animação, Mark mostra a vida da menina em animação digital. A história clássica é contada em stop motion, a técnica mais rudimentar de animação fotográfica com seus 24 quadros por segundo de filme. O contraponto entre as duas formas de arte traz um requinte visual que difere bastante das animações da Disney, que estamos acostumados a ver.


Nem mesmo a parte final do filme, que entra num ritmo frenético de aventura e crítica a sociedade de consumo e aos workaholics consegue destruir o que foi criado antes. A introdução de um desfecho dirigido tira a possibilidade da nossa livre interpretação. Certamente chegaríamos à mesma conclusão do filme, mas seria melhor que pudéssemos chegar até ela sozinhos. O desfecho pra lá de emotivo leva adultos e crianças às lágrimas e faz com que a gente saia do cinema com aquela sensação de que realmente o essencial é invisível aos olhos. E que seguir o coração talvez seja a única alternativa realmente plausível em dias de guerra como os que vivemos hoje. E que, acima de tudo, somos únicos e é nessa unicidade que repousa a grande vantagem de sermos humanos.

| filme 121 | MISSÃO IMPOSSÍVEL - NAÇÃO SECRETA


IMPOSSÍVEL NÃO GOSTAR!



Quando vimos o terceiro filme da franquia Missão Impossível a sensação era de estagnação. Talvez fosse a hora de parar ali. Mas, veio o quarto, Protocolo Fantasma, que apresentou uma nova equipe da agência ultra-secreta IMF e serviu como um novo piloto. O projeto deu certo, o filme vingou e o terreno para novas aventuras do agente Ethan Hunt estava mais que pronto para frutificar.

Em Missão Impossível – Nação Secreta a IMF está sob forte suspeita, assim como seu principal expoente. O secretário da CIA acredita que Hunt usa a agencia para conseguir justificar seus crimes, e que a melhor solução para todos é decretar o fim das missões impossíveis. Acontece que no meio disso tudo, Ethan está prestes a provar a existência de uma organização sem pátria que existe com a simples finalidade de fazer terrorismo travestido de catástrofe para gerar menos suspeita. O ponto de início da trama acontece quando os caminhos de mocinho e vilão se cruzam numa loja de discos.



A sinopse simples, talvez propositalmente, não apresenta os detalhes que fazem o quinto filme da série valerem realmente a pena. O primeiro deles é a presença de Tom Cruise. Sim. Existem humanos, que envelhecem e ficam estranhos. E existe Tom Cruise. Que é de outro planeta. Em plena forma aos 53 anos o astro continua obcecado por fazer as cenas de ação dos seus personagens, o que empresta uma noção de realidade muito necessária em filmes com sequências tão coreografadas como nesse Missão Impossível. Ethan Hunt e Tom Cruise são a mesma pessoa, e isso é muito bom.  O segundo detalhe atende pelo nome de Rebecca Ferguson. A parceira de Tom em cena não é só mais um rostinho bonito. É um vulcão de socos e pontapés, facas e chaves de perna que protagoniza as melhores cenas de luta. Há ainda o tom acertado de humor, representado na pele do ótimo Simon Pegg, que já havia roubado a cena no filme anterior.



Dos detalhes interpretativos esses saltam aos olhos. Porém, uma feliz decisão trouxe um detalhe técnico novo aos filmes da franquia. A opção por sequências de ação inverossímeis ao extremo foi abandonada e deu lugar a ótimas sequências integradas, onde o grande forte da produção aparece: a edição de som. Do fundo operístico ao silêncio sepulcral, é o excesso de som ou a completa falta dele o que move todo o ritmo das mais de duas horas de projeção. Certamente estará nas indicações do quesito no Oscar. E a recomendação é assistir ao filme em locais que explorem ao máximo os efeitos sonoros.

De resto, estamos diante de mais um belo pipocão de final de semana. Diversão garantida, duas horas e doze minutos de descanso para o cérebro, muito melhor que uma sessão de psicanálise. E com o Tom e a Rebecca de brinde.

| filme 120 | DIVERTIDA MENTE


E NUNCA MAIS VAMOS PENSAR DA MESMA FORMA!

  
Geniais. Após alguns filmes "apenas" bons, os geniais da Pixar ressurgem em 2015 com uma das ideias mais interessantes dos últimos tempos: mostrar em imagem, com enredo e personagens como ocorre o processo que alavanca nossos pensamentos, posturas diante dos acontecimentos, ações e interações com outras pessoas. A história toda acontece dentro da cabeça de uma garotinha de 11 anos, que acabou de mudar de cidade por conta do trabalho do pai. Riley sofre uma mudança brusca ao sair do frio estado de Minnesota para a ensolarada Califórnia.



Mas o plano principal do filme acontece dentro da cabeça da menina. É lá que os personagens principais vão desfilando um monte de referências da cultura pop, da psicologia e até mesmo de outros filmes da Pixar em sequências tão bem feitas que durante toda a projeção você repete muitas vezes “que maneiro!”, “sensacional bolarem isso”, “que sacada genial!”, entre outras. Alegria, Tristeza, Raiva, Nojinho e Medo. São essas, na visão da Pixar, as emoções que dominam nossa mente. Da interação entre elas, numa sala de controle, é que somos impelidos a externar o que sentimos. Quando alguém nos irrita, é a Raiva que está no comando, quando achamos um cabelo na comida, Nojinho domina. E por aí vai. Cada momento da nossa vida é guardado em bolas de pensamento, e existem aqueles que ajudam na formação do nosso caráter, na criação das nossas ilhas mais importantes (família, honestidade, lazer, amizade, bobeira).

O comandante chefe da mente da Riley é a Alegria, não poderíamos esperar outra coisa para uma criança. Um contraste com os comandantes chefes dos outros personagens (“grande sacada!), já que, qual seria a emoção dominante na cabeça de uma mãe? Ou de um pai de família? Somos diferentes e dentro de nós também são diferentes as emoções dominantes. Palmas pra Pixar que sempre valoriza a não padronização comportamental em seus filmes. Um alento na hora de ver com os pequenos. Mas então, Alegria é a dona do pedaço e as outras emoções sofrem sua total influência. Um acontecimento na sala de controle joga Alegria e Tristeza para fora do comando e durante todo o filme a tentativa de retorno é o que move o enredo. Raiva, Nojinho e Medo não conseguem conviver sozinhos e a vida de Riley começa a mudar completamente.



É sempre bom lembrar a predileção quase que obsessiva que a Pixar tem por duplas protagonistas. Em absolutamente TODOS os filmes do estúdio tivemos sempre um par de personagens principais. Marlin e Dory, Buzz e Woody, Carl e Ellie, Mike e Sullivan, Wall.e e Eva, entre muitos. Aqui Alegria e Tristeza dividem as melhores cenas do longa. E da interação entre elas, na viagem de volta ao centro de controle, brotam cenas e sacadas absolutamente fantásticas. São tantos momentos no Mundo dos Sonhos, ou no Atalho, com tantos símbolos que durante boa parte do tempo ficamos de boca aberta. A recomendação é só essa: prestar atenção e curtir. O colorido, as texturas estão cada vez mais reais. A técnica do desenho continua intacta, mas em Divertida Mente o que chama atenção é a forma como usam as cores. Para definir um personagem, para mostrar um pensamento bom, ou um ruim, para mostrar as mudanças de humor de Riley no mundo de fora da mente. E eles inventaram a fotografia de animação. Gênios!

A opção por não vilanizar a Tristeza é mais um acerto. Até referência ao mal do século nós temos: falam de depressão, nas entrelinhas mas falam. Num filme "de criança"! A forma como a Alegria descobre o famoso “dois lados da mesma moeda” é de arrancar lágrimas em qualquer ser humano vivo ou morto. Tente não chorar. Óbvio que em muitos momentos vemos a linguagem do desenho, para crianças, mas sem sombra de dúvidas somos nós, adultos, que iremos saborear com gosto essa obra-prima da psicologia animada (eles criaram isso mesmo). Talvez seja o melhor filme de animação de todos os tempos. Coisa pra ver e rever por muitas e muitas vezes. Chorar e rir, com as duas meninas de braços dados dentro da cabeça da gente. 

| filme 119 | O GRANDE HOTEL BUDAPESTE


CINEMÃO DE ENCHER OS OLHOS!



Wes Anderson tem um jeito bem peculiar de contar histórias. Para começo de conversa, seus filmes são quase sempre marcados por uma fotografia deslumbrante. A direção de arte, cenários e figurinos completam o quarteto que o diretor resolveu investir para deixar a sua marca na direção de filmes. Mas, e a história? Sobre qual enredo o diretor ergue seu combinado técnico de imagens? Bem, as histórias são as mais simples possíveis. Fala de gente, vivendo excentricidades e reagindo aos acontecimentos com a singeleza que todos nós carregamos.

No maravilhoso MOONRISE KINGDOM, um dos seus maiores sucessos, Wes desfila apuro estético por uma família totalmente maluca e nos joga na história de amor de dois adolescentes. Os personagens excêntricos são, ao que parece, o tema preferido na hora de elaborar seus enredos.

O Grande Hotel Budapeste já tem nome diferente. Não é de se espantar que o desfile de tipos bizarros seja uma constante durante as duas horas e poucos minutos de projeção. O filme começa com um velho autor explicando como inicia seu processo de escrita. Numa frase emblemática diz que “os personagens apresentam a história para ele”. E então volta ao passado para lembrar alguns condutores de contos que encontrou quando se hospedou no Grande Hotel Budapeste. Narra um especial encontro com o velho e cansado dono do hotel. Na conversa que se segue somos remetidos a outro momento e apresentados aos dois protagonistas da história: o concierge M. Gustave e o chamado "lobby boy" Zero. A dupla protagoniza e aparece em 80% do filme. Ralph Fiennes está soberbo como o refinado e afetado, porém másculo, funcionário que é a alma do Budapeste. Tony Revolon é o garoto que empresta um ar assustado e admirador ao protegido de Gustave. Um ponto que merece destaque é o elenco que transita em pontas e papeis importantes. É estelar: Adrien Brody, Willem Dafoe, Jude Law, Jason Schwartzman, Harvey Keitel, Jeff Goldblum, Tilda Swinton, Owen Wilson, Tom Wilkinson, Edward Norton, Léa Seydoux entre outros.


A sinopse mínima pode ser explicada sucintamente: Gustave se torna herdeiro de uma enorme herança, mas a família da falecida não aceita de forma alguma a nova realidade sem dinheiro e corre atrás do pobre (rico) concierge. Zero, fiel escudeiro, se torna cúmplice dos planos de M.Gustave para se livrar da família e cuidar da herança. A história dentro da história, dentro da história. E os personagens que fazem tudo acontecer. Bem que o velho escritor havia nos contado no início do filme. 

Mas não é apenas isso. Wes Anderson sabe contar histórias. Sabe contar coisas simples através de imagens simplesmente inacreditáveis. A fotografia, edição, direção de arte, figurino e maquiagem estão todas indicadas ao Oscar de 2015. E não surpreenderia absolutamente ninguém se ganhassem todas. É impressionante como visualmente tudo combina. A produção ainda recebeu as indicações mais importantes para melhor roteiro original, melhor diretor e melhor filme. A trilha sonora, que mais uma vez, assim como em Moonrise, Wes consegue transformar em parte intrinsecamente ligada ao filme também está indicada ao Oscar. São NOVE indicações e um esquecimento bizarro: inacreditável Ralph não estar entre os indicados.

Mas, prêmios à parte, vale se entregar ao desbunde visual e ao jeito caseiro de contar histórias de um dos diretores mais autorais da atualidade. Que Wes continue criando esses Mundos coloridos e loucos. Seria bem legal se a vida fosse assim de verdade.

| filme 118 | INTERESTELAR


O TEMPO QUE NOS SEPARA É O MESMO QUE NOS UNE.



Interestelar é uma ficção? Sim. É. Dito isto o que temos nas mais de três horas de projeção é a tentativa mais realística possível de mostrar como a raça humana poderia ser exterminada e de quais formas poderíamos salvar as futuras gerações. É, acima de tudo, uma ficção sobre o tempo. O tempo subjetivo, o tempo real, o tempo fora das nossas perspectivas. O mesmo tempo que faz filhos desistirem dos pais, ou que leva os pais a lutarem por seus filhos, o tempo exato em que dois sentimentos se encontram. E qual o melhor lugar para contar uma história sobre o tempo? O espaço. Essa equação que persegue a humanidade há tantos e tantos anos. É numa fábula espacial que o gênio Christopher Nolan desfila com maestria o roteiro escrito com seu irmão Jonathan Nolan. Na verdade, Jonathan já havia escrito um roteiro, que foi absorvido pelo que Christopher escreveu. É realmente um caso a ser estudado: a genética da família Nolan.

Não bastasse a ficha técnica de direção e roteiro, temos Lee Smith que é o editor de quase todos os filmes de Nolan, incluindo aí as geniais edições de A Origem, Batman: O Cavaleiro das Trevas e Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge, Hans Zimmer, o premiadíssimo compositor alemão, autor da trilha sonora de O Rei Leão (<3) e um elenco, com o perdão do trocadilho, INTERESTELAR. Matthew McConaughey, Anne Hathaway, Matt Damon, Jessica Chastain, Bill Irwin, Ellen Burstyn e Michael Caine, só pra citar os mais famosos. Cinco milhões de Oscar juntos num cast de dar inveja a qualquer Robert Altman. Estão todos maravilhosos, e o cuidado da direção é tão legal que ninguém fica sem o “seu grande momento” durante a projeção.



A premissa é das mais batidas: a raça humana está em vias de extinção. O motivo é novidade. Dessa vez não é meteoro, não são aliens, não é terremoto nem tsunami. É poeira. É falta de água. Os pulmões estão ficando cheios de pó e aos poucos estamos todos deixando de existir. Por conta disso, alguns escolhidos são convocados para viajar através dos “buracos de minhoca” (atalhos que são como túneis do tempo) no espaço com a missão de encontrar um local habitável pelos humanos do presente e do futuro. A história começa em meio a uma fazenda, de uma cidade não muito grande. Nunca sabemos o ano em que se passa o filme, nunca sabemos quantos somos. Essa ausência de tempo e de espaço é uma das grandes jogadas do diretor. É sobre um tempo que passa dentro de espaços só que eles não precisam ser tangíveis e marcados. Propositalmente ficamos tão desorientados quanto os personagens do filme (Nolan, aliás, é um obcecado pelo tema vide seu clássico A Origem).

O desenrolar do filme provoca mudanças em todos e apresenta a entrada do componente mais importante: a subjetividade com que cada um trata o tempo. Cada personagem encara as mudanças com base em teorias e importâncias com as quais todos nós concordamos. Alguém fala algo e nós, na poltrona, assentimos com a cabeça. Outro fala o oposto e nós, atônitos, também damos razão. Para uns a passagem do tempo e as decisões tomadas dentro dela devem ser motivadas por amor, para outros as probabilidades devem levar em conta dados estatísticos pura e simplesmente (um dos grandes momentos do filme mostra um embate de opiniões entre os protagonistas Cooper e Amelia) e para uma terceira categoria nada deve ser levado em conta a não ser o instinto quase selvagem de sobrevivência. Há ainda o aspecto técnico, as imagens e sequência de ação são impressionantes, tem até tsunami, mas nem é uma onda normal. É intergalática.

O tempo da razão e o tempo do coração travam uma guerra e nós acompanhamos ambos, saltando de um galho para o outro, assim como os personagens. É função de Murph, filha de Cooper, encontrar a chave que une tempo e espaço, que transforma a nossa percepção, que inverte, cria e ensina novas formas de entender como, quando e onde ocupamos nosso lugar no espaço físico e no espaço emocional, dentro da vida das pessoas. As nuances e pequenas revelações são inúmeras. Existem dicas que apontam o final de forma sutil durante todo o filme. As peças que Murph vai juntando nos unem a ela e mostram que muitas das respostas para essa equação podem estar diante de nós, o tempo todo.







| filme 117 | BOYHOOD - DA INFÂNCIA À JUVENTUDE


E se a sua vida virasse um filme?



Fazer filmes belos, sobre temas extraordinários, em locações avassaladoras é como cozinhar um jantar com os melhores ingredientes: o resultado final só será ruim se o "chef" for muito fraco. Mas, fazer um lindo filme, com temas ordinariamente comuns, em lugares inóspitos é como cozinhar um jantar com a sobra da semana, colocando, é claro, o tempero da vovó. Foi exatamente isso que o diretor Richard Linklater cozinhou. Um belo jantar caseiro.

Muito mais que o contexto em que o filme foi filmado, do qual falaremos mais adiante, Boyhood é repleto de beleza onde por vezes achamos que não existe nada. A jornada do menino Mason, filho de pais separados, que tem na irmã Samantha seu contraponto, é cheia de poesia e beleza no dia a dia, nos diálogos quase banais com os amigos, na relação de final de semana com o pai e nas consequências das decisões quase sempre erradas que a mãe insiste em tomar. O garoto é extremamente introspectivo o que fica mais caracterizado ainda através dos oportunos takes em que Richard exibe seu protagonista. 

É marcante a forma como o diretor sente prazer em mostrar cada traço dos seus personagens principais. A maquiagem, quase natural para uma produção cinematográfica, tem a intenção clara de permitir que a gente veja o crescimento e envelhecimento dos personagens. Isso porque foram gastos 12 longos anos de filmagem para que a obra ficasse pronta e acabada. Todo esse tempo filmando em segredo, com o mesmo elenco. Os conhecidos Ethan Hawke (astro da trilogia Antes do Amanhecer, Antes do Pôr-do-Sol e Antes da Meia-noite, todos de Linklater) e Patricia Arquette nos brindam com suas belas rugas ao longo do tempo e o desabrochar do menino Ellar Coltrane (uma riqueza, um achado!) e de Lorelei Linklater (filha do diretor) se torna real nas duas horas e quarenta minutos de projeção (ninguém sente passar). É incrível como o diretor conseguiu “esconder” duas joias infantis por tanto tempo. As “crianças” que um dia foram Ellar e Lorelei hoje somente existem em Boyhood. Jamais serão crianças em um filme novamente (coisas do cinema).

Para quem foi adolescente nos anos 90, o desfile dos grandes momentos da década é farto. De lançamento dos livros do Harry Potter ao boom das redes sociais e smartphones, está tudo lá. Mas não é o ritmo das mudanças do mundo que marca a obra. É o ritmo de Mason. A inocência e o olhar cheio de esperança (talvez de ver os pais retomarem a união) paulatinamente se transforma em um olhar de dúvida e incertezas, até encontrar uma forma de enxergar a vida por meio da arte (e profissão) que escolhe (ou que escolhe a ele). É Mason que sempre aparece como centro das cenas emblemáticas, e também das impressionantemente naturais cenas de passagem do tempo. É um filme sobre o tempo, como não? Mas não sobre idade. É mais amplo. É sobre como o tempo chega fisicamente, mais principalmente sentimentalmente. O quanto podemos mudar em 12 anos? Fisicamente as mudanças estão lá. Estampadas na cara e tamanho de cada ator/atriz. É, porém, na sutileza dos diálogos que repousa o espelho que Linklater constrói das nossas vidas. Impossível não nos identificarmos com muitas das cenas que vemos.

Um excelente fazedor de cinema dos bons e diálogos dos ótimos nos brinda com um dos mais maravilhosos filmes sobre a beleza do comum. E mostra que existe sim algo de infinitamente eterno e lindo na vida de qualquer um de nós. Se a nossa vida virasse um filme, ou se escrevêssemos o roteiro dela, o desfile de alegrias e tristezas enfrentados pelo protagonista estaria presente. Já fomos todos Mason um dia. Seguimos sendo, afinal de contas.


[status: esperando Boyhood II – em 12 anos]

| filme 116 | TRAPAÇA


Aquilo que vemos nem sempre é o real.



Em 2013, David O. Russel decidiu fazer uma comédia romântica que acabou resultando num sucesso de público e crítica, concedendo à Jennifer Lawrence o status de nova diva do cinema americano. Vitoriosa no Oscar de 2013, Jennifer ainda viu seu parceiro de cena, Bradley Cooper, ser indicado para estatueta de melhor ator. Pois a dupla do sucesso O Lado Bom da Vida está de volta nessa comédia dramática sobre um casal de trapaceiros que sonha em viver uma vida inteira de trapaças. Dessa vez, porém, a dupla de queridinhos do diretor aparece como coadjuvante de outra dupla, também cheia de química. Amy Adams e Christian Bale são os motores do filme. Ambos indicados ao Oscar de suas respectivas categorias. 

Inspirado em fatos reais o filme conta a história de uma dupla de vigaristas que é recrutada pelo FBI para tentar flagrar congressistas americanos aceitando suborno. A operação real aconteceu em 1978, mesma época em que se passa o filme. Irving Rosenfeld e Sydney Prosser veem seus dias de trapaça chegar ao fim, quando são pegos pelo agente Richie DiMaso em pleno trambique. Numa jogada secreta, recebem a proposta de colaborar com os “mocinhos” para conseguirem ter a ficha limpa. Aceitam. E aí o filme começa. Irving é apaixonado por Sydney, mas é casado com a transloucada Rosalyn. A relação explosiva com a esposa quase coloca a tentativa de redenção de Irving a perder. Em mais de duas horas de filme, recheados de reviravoltas, vemos o desfile de exageros que já é lugar comum nas produções de David. Todos os problemas de relacionamento e comportamento são aumentados propositalmente, para serem explorados em tom jocoso, receita de sucesso desde a época de Três Reis, passando pelo ótimo O Vencedor.

A qualidade do que vemos é indiscutível. Trilha sonora afiada, com inúmeros sucessos da década de 70. Figurinos fantásticos, explorando a beleza e o charme das quatro estrelas principais. A direção de arte e cenários também são destaque, ressaltando todo o estilo retrô dos móveis e texturas da época. Não por acaso o filme foi indicado ao Oscar de figurino e direção de arte. Mas é na direção de atores que David se destaca. Ano passado ele conseguiu a proeza de fazer seus quatro atores principais serem indicados à estatueta mais famosa do cinema (Jennifer, Bradley, Robert de Niro e Jacki Weaver concorreram aos prêmios de interpretação), fato que não ocorria desde 1981. Como se fosse pouco, o diretor conseguiu repetir o feito um ano depois. Jennifer Lawrence é favoritíssima para levar o prêmio de melhor atriz coadjuvante. Ela está simplesmente fantástica. É a protagonista das melhores cenas do filme: um duelo quentíssimo com Amy Adams num banheiro, um acerto de contas pra lá de surreal com Christian Bale já na parte final do filme e um desfile de sensualidade num momento chave da projeção. Christian Bale é outro que dispensa comentários. Engordou mais de 20kg para fazer Irving e empresta doçura e loucura a um trambiqueiro que usa ternos de veludo e passa cola no cabelo (numa sequência de abertura das mais engraçadas). Amy Adams tem um papel em que pode desfilar toda sua beleza e um ar blasé dos mais poderosos, sua má sorte é que este ano Cate Blanchet parece que não tem concorrentes por sua interpretação em Blue Jasmine. Bradley faz um policial dominado pela ambição, cheio de manias e completamente preocupado com a sua imagem.

Trapaça não é só um filme de reviravoltas, ou entretenimento puro. Toca em temas cruciais, o maior deles a nossa vontade de querer parecer o que não somos diante de certas situações da vida. A busca pelo dinheiro, a adrenalina da conquista, a ambição desmedida, que muitas vezes nos desvia e cria uma capa que apaga o que temos de bom deixando, somente, coisas negativas a mostra. Sem moralismos, sem querer parecer dono da verdade, com ótimos diálogos, o roteiro conduzido por David nos leva a uma divertida viagem onde dá o maior prazer torcer pelos trapaceiros. 

Trapaça foi indicado para dez Oscar: melhor filme, roteiro, edição, direção de arte, figurino, diretor, atriz, ator, atriz coadjuvante e ator coadjuvante.